Editorial
Caros leitores,
É com grande satisfação que apresentamos mais uma edição dos "Cadernos do IUM", desta vez dedicada à linha de investigação da saúde em contexto militar. Esta publicação, que tanto enriquece o campo das Ciências Militares, é um reflexo do compromisso com a divulgação dos resultados da investigação desenvolvida sob a égide do Instituto Universitário Militar em parceria com a Unidade de Ensino, Formação e Investigação da Saúde Militar (UEFISM). Nesta edição, apresentamos estudos multifacetados que abrangem temas cruciais para a compreensão e aprimoramento das estruturas militares e da sociedade em geral, realizados por oficiais e civis, médicos e psicólogos.
Os primeiros dois estudos, informativos, destacam os esforços proativos para enfrentar os desafios dos comportamentos aditivos. Começamos com o testemunho pessoal do fundador do Curso de Operadores de Prevenção de Alcoolismo e Toxicodependências em 1988, como consequência do problema do consumo nocivo de álcool, tabaco e cannabis entre os militares portugueses, resultante do stress da guerra prolongada em África, e continuamos com informação sobre o Programa para a Prevenção dos Comportamentos Aditivos e Combate às Dependências visando capacitar militares para lidar com questões relacionadas a comportamentos aditivos e dependências.
Com caráter mais sistematizado, o terceiro estudo propõe um modelo integrado de investigação médica em saúde militar, demonstrando um compromisso sólido com o avanço do conhecimento nesta área vital. Enquanto isso, o quarto estudo traz à luz a eficácia de modelos de tratamento inovadores na luta contra as dependências, como o modelo Minesota e o modelo Multidimensional, oferecendo esperança e direção na procura por soluções eficazes e evidenciando a importância da prevenção e intervenção precoce.
Além disso, exploramos o stress e o comportamento suicidário na Marinha Portuguesa, o que lança luz sobre questões cruciais de saúde mental e bem-estar dentro das forças armadas, oferecendo insights valiosos para a implementação de medidas preventivas e de gestão do stress.
Por último, mas não menos importante, o estudo sobre impacto da pandemia COVID-19 na saúde e na atividade física dos indivíduos, especialmente naqueles que passaram por procedimentos cirúrgicos como a reconstrução do ligamento cruzado anterior. Este estudo destaca os desafios enfrentados pela comunidade médica e os caminhos para uma recuperação plena.
A diversidade e qualidade dos estudos refletem o compromisso dos investigadores do IUM e seus parceiros, com especial destaque nesta edição para a UEFISM, pela procura de soluções inovadoras e eficazes para os desafios enfrentados pelas Forças Armadas e pela sociedade em geral.
Esperamos que esta edição dos "Cadernos do IUM" seja uma fonte inspiradora de reflexão e ação, estimulando o diálogo e contribuindo para o avanço contínuo no campo das Ciências Militares.
Boa leitura!
Ana Esteves
Tenente-coronel
Coordenadora Editorial do CIDIUM
Artigos
Resumo
O texto aborda as consequências das derrotas dos Estados Unidos no Vietname, e de Portugal nas suas colónias africanas, destacando a influência das estratégias geopolíticas. No Vietname, o General Vo Nguyen Giap utilizou táticas de toxologia cerebral para enfraquecer as forças americanas, promovendo a dependência de ópio. No entanto, a chamada "Guerra às Drogas" do presidente dos EUA, Richard Nixon, após a derrota no Vietname, é criticada como um mero slogan político sem eficácia real. O autor, especialista em adictologia, destaca a complexidade do problema das drogas e as suas ramificações nas relações internacionais, saúde e estratégia geopolítica. Ele menciona o exemplo atual da epidemia de Fentanyl nos EUA, originada na China e México, como evidência do fracasso do slogan de Nixon. Ao abordar o caso de Portugal pós-guerra em África, o autor destaca o problema do consumo nocivo de álcool, tabaco e cannabis entre os militares, resultante do stress da guerra prolongada. O texto destaca a iniciativa pioneira das Marinhas de Portugal e dos EUA na criação de programas para prevenção e combate ao abuso de substâncias, visando a redução da procura, associada à logística militar sanitária e a redução da oferta, com a promoção da segurança militar. O autor ressalta a importância de programas educacionais, tratamentos e intervenções para lidar com os problemas relacionados ao consumo de substâncias nas Forças Armadas.
Palavras-chave
Consumos; Prevenção; Tratamento.Autor(es) (*)
Joaquim Margalho CarrilhoJosé Aleixo
Resumo
O Programa para a Prevenção dos Comportamentos Aditivos e Combate às Dependências nas Forças Armadas visa capacitar militares e profissionais de segurança, proteção civil, entre outros, para lidar com questões relacionadas a comportamentos aditivos e dependências. Coordenado pelo Grupo Coordenador do Programa, procura dissuadir o consumo de substâncias psicoativas e controlar casos suspeitos, abrangendo também a prevenção de outras dependências. As intervenções ocorrem em três níveis: prevenção primária, secundária e terciária. Destaca-se o Curso de Operadores de Prevenção de Alcoolismo e Toxicodependências, agora ministrado online, abordando comportamentos aditivos. Adicionalmente, surge o Curso de Operadores de Prevenção em Comportamentos Aditivos e Dependências em resposta às dependências comportamentais. O programa também inclui o Curso de Toxicologista Clínico - Ocupacional para médicos militares, visando prevenir o uso de substâncias psicoativas no meio organizacional. Além disso, há uma ênfase na saúde mental, abordando perturbações psicológicas em militares, com destaque para a formação em Primeiros Socorros Psicológicos (PSP). A Instituição procura promover uma cultura de saúde mental, reconhecendo os riscos psicossociais e o stress relacionado com o trabalho, buscando capacitar a UEFISM para ministrar cursos adicionais, incluindo primeiros cuidados psicológicos, de acordo com as orientações da Organização Mundial de Saúde.
Palavras-chave
Saúde Mental; Comportamentos Aditivos; Forças Armadas; Prevenção; Formação.Autor(es) (*)
António CorreiaNicole Esteves Fernandes
Resumo
O objetivo do presente estudo é identificar e avaliar fatores que possam conduzir a um modelo integrado de investigação médica em saúde militar, perante as novas estruturas de saúde, entretanto criadas. Da pesquisa efetuada verificou-se que a Unidade de Ensino Formação e Investigação em Saúde Militar deverá coordenar além da investigação clínica, toda a investigação em Saúde Militar (clínica, biomédica, cognitiva e comportamental), sendo proposto um modelo de organização, concebido através da criação de uma “rede de redes funcionais” de Investigação em Saúde, em estreita colaboração e cooperação com o Centro de Investigação e Desenvolvimento do Instituto Universitário Militar. As áreas de Investigação em Saúde consideradas com maior interesse e de desenvolvimento mais rápido, foram as centradas na saúde ocupacional, relacionadas com o meio envolvente específico das Forças Armadas, os estudos epidemiológicos e os ensaios clínicos na área da medicina hiperbárica.
Palavras-chave
Sistema de Saúde Militar; Unidade de Ensino Formação e Investigação da Saúde Militar; Centro de Investigação e Desenvolvimento do Instituto Universitário Militar; modelo integrado de investigação em saúde militar.Autor(es) (*)
André Abílio Rodrigues BatistaResumo
O presente estudo pretende demonstrar a evidência científica dos resultados da aplicação do Modelo Minnesota e do Modelo Multidimensional no tratamento de doentes com critérios de doença aditiva (dependência de álcool, drogas e jogo). A adição é uma doença progressiva, crónica, com reconhecidas causas e consequências de âmbito biológico, psicológico e social. O Modelo Minnesota foi introduzido no ano de 1987, em Portugal, pela Unidade de Tratamento Intensivo de Toxicodependências e Alcoolismo (UTITA), tendo como objetivo principal o tratamento e reabilitação de elementos das Forças Armadas. Este modelo tem como principal característica a intervenção integrada numa perspetiva biopsicossocial e espiritual, sendo, na nossa prática clínica, coadjuvado pelo Modelo Multidimensional que se caracteriza por uma metodologia de avaliação e monitorização clínica, de acordo com seis dimensões propostas pela Sociedade Americana de Medicina da Adição. Foi realizado um estudo de seguimento clínico entre 2013 e 2023, sendo 59% dos doentes militares e 41% civis que concluíram o programa de internamento. Para a recolha de dados, realizaram-se 983 entrevistas telefónicas estruturadas efetuadas aos 6 meses, 1, 3 e 5 anos de seguimento. Testou-se a relação entre a variável dependente sucesso do tratamento (abstinência) e 19 variáveis independentes presentes na fase de recuperação. 78% dos doentes militares e 65% dos doentes civis mantinham-se abstinentes no momento da entrevista. Registou-se uma influência de vários fatores (frequência de reuniões de suporte mútuo, a presença em sessões de prevenção de recaída, a situação laboral e familiar estável, dieta instituída, número de horas de sono, tempo de lazer e de trabalho, bem como com a existência de uma rede social de apoio) no sucesso do tratamento. Concluiu-se que o Modelo de Reabilitação da UTITA apresentou, até um máximo de 5 anos de seguimento clínico, bons resultados ao nível da manutenção da abstinência, predominantemente relacionados e influenciados pela continuidade da ligação do doente às suas estruturas de apoio e a cuidados diários ao nível da sua saúde física e mental.
Palavras-chave
Modelo Minnesota; Modelo Multidimensional; Doença Aditiva; UTITA.Autor(es) (*)
Carolina RodriguesInês Mendes Coelho
Laura Pinguicha Ferreira
Liseta da Cunha
Pilar Farrajota
Rui Pedro Gonçalves de Deus
Sandra Henriques
Sérgio Lopes
Sónia Oliveira
Resumo
O ambiente militar é considerado stressante e a saída de pessoal da Marinha Portuguesa (MP), resultou num aumento do volume de trabalho, comprometendo períodos de descanso e aumentando o nível de stress da população militar. A literatura menciona a relação entre elevados níveis de stress e comportamento suicidário (CS). Desta forma, o presente estudo visa analisar na MP, o nível de stress, dos militares, militarizados e civis (MMC), investigar o número de casos de CS e selecionar medidas de prevenção de Gestão do Stress e Prevenção do Comportamento Suicidário. A metodologia de investigação foi baseada num tipo de raciocínio dedutivo. Para além da análise documental, foi aplicado um inquérito por questionário a 1.015 participantes e foram realizadas oito entrevistas com Psicólogos Militares (PM) da MP. O estudo mostrou que o nível de stress na amostra corresponde à categoria de nível intermédio, que nos últimos doze anos foram identificados dezassete casos de CS, quinze de suicídio e duas tentativas de suicídio e que os programas de prevenção não cobrem toda a população na MP. A partir dos dados recolhidos, foi possível propor um conjunto de medidas para otimizar as estratégias de proteção dos MMC nesta área.
Palavras-chave
Marinha Portuguesa; Stress; Comportamento Suicidário.Autor(es) (*)
Daniel Cruz NevesResumo
As lesões do ligamento cruzado anterior são das lesões mais graves e comuns na prática desportiva. Uma vez não tratada, a rotura do ligamento cruzado anterior condicionará uma instabilidade do joelho, resultando numa osteoartrose precoce e na incapacidade do joelho a longo prazo. Nem todos os atletas retomam o desporto a nível competitivo e, aqueles que o fazem, correm um elevado risco de sofrer uma nova lesão. A reconstrução do ligamento cruzado anterior, por si só, não é suficiente para garantir um retorno seguro ao nível de atividade pré-lesão. Para tal, requer-se uma reabilitação de alta qualidade baseada em metas a atingir e numa bateria de critérios clínicos a satisfazer. A gestão da pandemia COVID-19 resultou em importantes restrições na atividade cirúrgica em Ortopedia e na suspensão dos programas de reabilitação pós-operatórios. A curto prazo, os dados clínicos demostram um impacto negativo da COVID-19, reduzindo o número total de cirurgias realizadas e atrasando as cirurgias de doentes considerados como não urgentes. Para além disto, os programas de reabilitação pós-operatórios foram suspensos e substituídos por exercícios de reabilitação de realização autónoma no domicílio, resultando em valores mais reduzidos de força nos membros inferiores. Apesar de ainda não serem conhecidos os efeitos da COVID-19 a longo prazo, é seguro assumir que, a curto prazo, a pandemia COVID-19 teve consequências muito negativas na reconstrução cirúrgica do ligamento cruzado anterior e na sua reabilitação pós-operatória.
Palavras-chave
Rotura Ligamento Cruzado Anterior; Reconstrução Cirúrgica Ligamento Cruzado Anterior; Reabilitação Pós-Cirúrgica; Desporto; SARS-CoV-2; COVID19; UTITA.Autor(es) (*)
José Lito dos Santos Mónico(*) NOTA: A ordem alfabética de apresentação dos autores pode não corresponder à ordem formal que se encontra no artigo.