Cadernos do IUM N.º 58 - Cadernos de Saúde Militar e Medicina Operacional - Vol. I

Editorial

Caros leitores,

É com grande satisfação que apresentamos mais uma edição dos "Cadernos do IUM", desta vez dedicada à linha de investigação da saúde em contexto militar. Esta publicação, que tanto enriquece o campo das Ciências Militares, é um reflexo do compromisso com a divulgação dos resultados da investigação desenvolvida sob a égide do Instituto Universitário Militar em parceria com a Unidade de Ensino, Formação e Investigação da Saúde Militar (UEFISM). Nesta edição, apresentamos estudos multifacetados que abrangem temas cruciais para a compreensão e aprimoramento das estruturas militares e da sociedade em geral, realizados por oficiais e civis, médicos e psicólogos.

Os primeiros dois estudos, informativos, destacam os esforços proativos para enfrentar os desafios dos comportamentos aditivos. Começamos com o testemunho pessoal do fundador do Curso de Operadores de Prevenção de Alcoolismo e Toxicodependências em 1988, como consequência do problema do consumo nocivo de álcool, tabaco e cannabis entre os militares portugueses, resultante do stress da guerra prolongada em África, e continuamos com informação sobre o Programa para a Prevenção dos Comportamentos Aditivos e Combate às Dependências visando capacitar militares para lidar com questões relacionadas a comportamentos aditivos e dependências.

Com caráter mais sistematizado, o terceiro estudo propõe um modelo integrado de investigação médica em saúde militar, demonstrando um compromisso sólido com o avanço do conhecimento nesta área vital. Enquanto isso, o quarto estudo traz à luz a eficácia de modelos de tratamento inovadores na luta contra as dependências, como o modelo Minesota e o modelo Multidimensional, oferecendo esperança e direção na procura por soluções eficazes e evidenciando a importância da prevenção e intervenção precoce.

Além disso, exploramos o stress e o comportamento suicidário na Marinha Portuguesa, o que lança luz sobre questões cruciais de saúde mental e bem-estar dentro das forças armadas, oferecendo insights valiosos para a implementação de medidas preventivas e de gestão do stress.

Por último, mas não menos importante, o estudo sobre impacto da pandemia COVID-19 na saúde e na atividade física dos indivíduos, especialmente naqueles que passaram por procedimentos cirúrgicos como a reconstrução do ligamento cruzado anterior. Este estudo destaca os desafios enfrentados pela comunidade médica e os caminhos para uma recuperação plena.

A diversidade e qualidade dos estudos refletem o compromisso dos investigadores do IUM e seus parceiros, com especial destaque nesta edição para a UEFISM, pela procura de soluções inovadoras e eficazes para os desafios enfrentados pelas Forças Armadas e pela sociedade em geral.

Esperamos que esta edição dos "Cadernos do IUM" seja uma fonte inspiradora de reflexão e ação, estimulando o diálogo e contribuindo para o avanço contínuo no campo das Ciências Militares.

Boa leitura!


Ana Esteves 
Tenente-coronel
Coordenadora Editorial do CIDIUM

Artigos

Estudo 1 – Breve Historial da Fundação do Curso de Operadores e Prevenção de Alcoolismo e Toxicodependências, em 1988 (testemunho pessoal do autor)

Resumo

O texto aborda as consequências das derrotas dos Estados Unidos no Vietname, e de Portugal nas suas colónias africanas, destacando a influência das estratégias geopolíticas. No Vietname, o General Vo Nguyen Giap utilizou táticas de toxologia cerebral para enfraquecer as forças americanas, promovendo a dependência de ópio. No entanto, a chamada "Guerra às Drogas" do presidente dos EUA, Richard Nixon, após a derrota no Vietname, é criticada como um mero slogan político sem eficácia real. O autor, especialista em adictologia, destaca a complexidade do problema das drogas e as suas ramificações nas relações internacionais, saúde e estratégia geopolítica. Ele menciona o exemplo atual da epidemia de Fentanyl nos EUA, originada na China e México, como evidência do fracasso do slogan de Nixon. Ao abordar o caso de Portugal pós-guerra em África, o autor destaca o problema do consumo nocivo de álcool, tabaco e cannabis entre os militares, resultante do stress da guerra prolongada. O texto destaca a iniciativa pioneira das Marinhas de Portugal e dos EUA na criação de programas para prevenção e combate ao abuso de substâncias, visando a redução da procura, associada à logística militar sanitária e a redução da oferta, com a promoção da segurança militar. O autor ressalta a importância de programas educacionais, tratamentos e intervenções para lidar com os problemas relacionados ao consumo de substâncias nas Forças Armadas.

Palavras-chave

Consumos; Prevenção; Tratamento.

Autor(es) (*)

Avatar Joaquim Margalho Carrilho
Avatar José Aleixo
 128 | 128
Estudo 2 – A Necessidade de Formação em Saúde Mental nas Forças Armadas

Resumo

O Programa para a Prevenção dos Comportamentos Aditivos e Combate às Dependências nas Forças Armadas visa capacitar militares e profissionais de segurança, proteção civil, entre outros, para lidar com questões relacionadas a comportamentos aditivos e dependências. Coordenado pelo Grupo Coordenador do Programa, procura dissuadir o consumo de substâncias psicoativas e controlar casos suspeitos, abrangendo também a prevenção de outras dependências. As intervenções ocorrem em três níveis: prevenção primária, secundária e terciária. Destaca-se o Curso de Operadores de Prevenção de Alcoolismo e Toxicodependências, agora ministrado online, abordando comportamentos aditivos. Adicionalmente, surge o Curso de Operadores de Prevenção em Comportamentos Aditivos e Dependências em resposta às dependências comportamentais. O programa também inclui o Curso de Toxicologista Clínico - Ocupacional para médicos militares, visando prevenir o uso de substâncias psicoativas no meio organizacional. Além disso, há uma ênfase na saúde mental, abordando perturbações psicológicas em militares, com destaque para a formação em Primeiros Socorros Psicológicos (PSP). A Instituição procura promover uma cultura de saúde mental, reconhecendo os riscos psicossociais e o stress relacionado com o trabalho, buscando capacitar a UEFISM para ministrar cursos adicionais, incluindo primeiros cuidados psicológicos, de acordo com as orientações da Organização Mundial de Saúde.

Palavras-chave

Saúde Mental; Comportamentos Aditivos; Forças Armadas; Prevenção; Formação.

Autor(es) (*)

Avatar António Correia
Avatar Nicole Esteves Fernandes
 147 | 147
Estudo 3 – Investigação em Saúde Militar

Resumo

O objetivo do presente estudo é identificar e avaliar fatores que possam conduzir a um modelo integrado de investigação médica em saúde militar, perante as novas estruturas de saúde, entretanto criadas. Da pesquisa efetuada verificou-se que a Unidade de Ensino Formação e Investigação em Saúde Militar deverá coordenar além da investigação clínica, toda a investigação em Saúde Militar (clínica, biomédica, cognitiva e comportamental), sendo proposto um modelo de organização, concebido através da criação de uma “rede de redes funcionais” de Investigação em Saúde, em estreita colaboração e cooperação com o Centro de Investigação e Desenvolvimento do Instituto Universitário Militar. As áreas de Investigação em Saúde consideradas com maior interesse e de desenvolvimento mais rápido, foram as centradas na saúde ocupacional, relacionadas com o meio envolvente específico das Forças Armadas, os estudos epidemiológicos e os ensaios clínicos na área da medicina hiperbárica.

Palavras-chave

Sistema de Saúde Militar; Unidade de Ensino Formação e Investigação da Saúde Militar; Centro de Investigação e Desenvolvimento do Instituto Universitário Militar; modelo integrado de investigação em saúde militar.

Autor(es) (*)

Avatar André Abílio Rodrigues Batista
 151 | 151
Estudo 4 – O Sucesso do Modelo Minesota e o Modelo Multidimensional na Reabilitação da Doença Aditiva nas Forças Armadas e Forças de Segurança - Unidade de Tratamento Intensivo de Toxicodependências e Alcoolismo (UTITA)

Resumo

O presente estudo pretende demonstrar a evidência científica dos resultados da aplicação do Modelo Minnesota e do Modelo Multidimensional no tratamento de doentes com critérios de doença aditiva (dependência de álcool, drogas e jogo). A adição é uma doença progressiva, crónica, com reconhecidas causas e consequências de âmbito biológico, psicológico e social. O Modelo Minnesota foi introduzido no ano de 1987, em Portugal, pela Unidade de Tratamento Intensivo de Toxicodependências e Alcoolismo (UTITA), tendo como objetivo principal o tratamento e reabilitação de elementos das Forças Armadas. Este modelo tem como principal característica a intervenção integrada numa perspetiva biopsicossocial e espiritual, sendo, na nossa prática clínica, coadjuvado pelo Modelo Multidimensional que se caracteriza por uma metodologia de avaliação e monitorização clínica, de acordo com seis dimensões propostas pela Sociedade Americana de Medicina da Adição. Foi realizado um estudo de seguimento clínico entre 2013 e 2023, sendo 59% dos doentes militares e 41% civis que concluíram o programa de internamento. Para a recolha de dados, realizaram-se 983 entrevistas telefónicas estruturadas efetuadas aos 6 meses, 1, 3 e 5 anos de seguimento. Testou-se a relação entre a variável dependente sucesso do tratamento (abstinência) e 19 variáveis independentes presentes na fase de recuperação. 78% dos doentes militares e 65% dos doentes civis mantinham-se abstinentes no momento da entrevista. Registou-se uma influência de vários fatores (frequência de reuniões de suporte mútuo, a presença em sessões de prevenção de recaída, a situação laboral e familiar estável, dieta instituída, número de horas de sono, tempo de lazer e de trabalho, bem como com a existência de uma rede social de apoio) no sucesso do tratamento. Concluiu-se que o Modelo de Reabilitação da UTITA apresentou, até um máximo de 5 anos de seguimento clínico, bons resultados ao nível da manutenção da abstinência, predominantemente relacionados e influenciados pela continuidade da ligação do doente às suas estruturas de apoio e a cuidados diários ao nível da sua saúde física e mental.

Palavras-chave

Modelo Minnesota; Modelo Multidimensional; Doença Aditiva; UTITA.

Autor(es) (*)

Avatar Carolina Rodrigues
Avatar Inês Mendes Coelho
Avatar Laura Pinguicha Ferreira
Avatar Liseta da Cunha
Avatar Pilar Farrajota
Avatar Rui Pedro Gonçalves de Deus
Avatar Sandra Henriques
Avatar Sérgio Lopes
Avatar Sónia Oliveira
 140 | 140
Estudo 5 – A Gestão do Stress na Prevenção do Comportamento Suicidário: Duas Estratégias de Proteção para Militares, Militarizados e Civis da Marinha Portuguesa

Resumo

O ambiente militar é considerado stressante e a saída de pessoal da Marinha Portuguesa (MP), resultou num aumento do volume de trabalho, comprometendo períodos de descanso e aumentando o nível de stress da população militar. A literatura menciona a relação entre elevados níveis de stress e comportamento suicidário (CS). Desta forma, o presente estudo visa analisar na MP, o nível de stress, dos militares, militarizados e civis (MMC), investigar o número de casos de CS e selecionar medidas de prevenção de Gestão do Stress e Prevenção do Comportamento Suicidário. A metodologia de investigação foi baseada num tipo de raciocínio dedutivo. Para além da análise documental, foi aplicado um inquérito por questionário a 1.015 participantes e foram realizadas oito entrevistas com Psicólogos Militares (PM) da MP. O estudo mostrou que o nível de stress na amostra corresponde à categoria de nível intermédio, que nos últimos doze anos foram identificados dezassete casos de CS, quinze de suicídio e duas tentativas de suicídio e que os programas de prevenção não cobrem toda a população na MP. A partir dos dados recolhidos, foi possível propor um conjunto de medidas para otimizar as estratégias de proteção dos MMC nesta área.

Palavras-chave

Marinha Portuguesa; Stress; Comportamento Suicidário.

Autor(es) (*)

Avatar Daniel Cruz Neves
 134 | 134
Estudo 6 – Impacto da Pandemia COVID-19 na Reconstrução Cirúrgica do Ligamento Cruzado Anterior

Resumo

As lesões do ligamento cruzado anterior são das lesões mais graves e comuns na prática desportiva. Uma vez não tratada, a rotura do ligamento cruzado anterior condicionará uma instabilidade do joelho, resultando numa osteoartrose precoce e na incapacidade do joelho a longo prazo. Nem todos os atletas retomam o desporto a nível competitivo e, aqueles que o fazem, correm um elevado risco de sofrer uma nova lesão. A reconstrução do ligamento cruzado anterior, por si só, não é suficiente para garantir um retorno seguro ao nível de atividade pré-lesão. Para tal, requer-se uma reabilitação de alta qualidade baseada em metas a atingir e numa bateria de critérios clínicos a satisfazer. A gestão da pandemia COVID-19 resultou em importantes restrições na atividade cirúrgica em Ortopedia e na suspensão dos programas de reabilitação pós-operatórios. A curto prazo, os dados clínicos demostram um impacto negativo da COVID-19, reduzindo o número total de cirurgias realizadas e atrasando as cirurgias de doentes considerados como não urgentes. Para além disto, os programas de reabilitação pós-operatórios foram suspensos e substituídos por exercícios de reabilitação de realização autónoma no domicílio, resultando em valores mais reduzidos de força nos membros inferiores. Apesar de ainda não serem conhecidos os efeitos da COVID-19 a longo prazo, é seguro assumir que, a curto prazo, a pandemia COVID-19 teve consequências muito negativas na reconstrução cirúrgica do ligamento cruzado anterior e na sua reabilitação pós-operatória.

Palavras-chave

Rotura Ligamento Cruzado Anterior; Reconstrução Cirúrgica Ligamento Cruzado Anterior; Reabilitação Pós-Cirúrgica; Desporto; SARS-CoV-2; COVID19; UTITA.

Autor(es) (*)

Avatar José Lito dos Santos Mónico
 123 | 123

(*) NOTA: A ordem alfabética de apresentação dos autores pode não corresponder à ordem formal que se encontra no artigo.